Não fiz uma só pergunta


   Não encontro um motivo que me faça querer ficar, nem mesmo uma boa razão para partir. É pior ainda, ter a incapacidade de discernir entre o que é estar bem e não estar. Simplesmente… Estou? Não possuo a expressão alegre da felicidade, nem o rosto marcado das azáfamas da vida, sou simplesmente eu, imóvel, tão limitado quanto uma larva se deve sentir ao enlear-se no casulo que ela própria tece, porém com a certeza de que um dia, sairá dali, a mais livre e colorida das borboletas.
  Gosto das palavras na poesia, mas nos afectos prefiro o silêncio da entrega, aquele que nada diz, de quem vem e se senta sobre a nossa sombra, naquela varanda de rochas em frente ao mar onde todos os sentidos o engolem, apenas respira e pulsa; e ao segurar delicadamente a nossa mão, devolve-nos toda a calma, antes roubada e dispersa pelos mesmos medos que nos assombram e fizeram procurar aquele refúgio. Não fiz uma só pergunta, porque não são as respostas capazes de trazer a pele arrepiada, como um beijo molhado que nos atravessa o dorso, não são as respostas que nos fazem crer que aquele sorriso ao amanhecer, é o sol por onde todos os planetas se regem. 




Os teus beijos


   Eu já dancei na chuva, já fiz de lágrimas alheias o meu licor amargo. Já abracei alguém sem saber que era o seu último abraço. Já ri à gargalhada num velório, já chorei de pé no final de uma «revista». Num dia morri de amor, no outro renasci por um novo amor qualquer. Já menti por um amigo, já disse a verdade só para magoar. Já acordei sem saber onde estava. Já acordei sem saber com quem estava. Até já me calei com razão. Mas sei que morreria estúpido se um dia a minha boca não tivesse beijado a tua.



Se te pudesse dizer


   Se te pudesse dizer por palavras, nos olhos, aquilo que me fazes sentir, talvez deixasse o silêncio falar. Que é grande demais para caber em palavras, este sentimento capaz de fazer sorrir a todas as horas. Sorrir e sonhar, dizer coisas descabidas como se o mundo fosse a mais pura das brincadeiras que se enaltece de cor e luz a cada nascer disperso de um sentimento igual. Se quiseres saber onde vou por ti, pede-me um beijo, que a minha boca não mente e na tua viaja, num espaço de tempo ausente onde a coragem dança e revela o que o coração sente. Por ti, nem tempestade nem deserto, nem o medo de não te ter perto, me impedem de seguir esse caminho onde sei que te encontro só… Entre a timidez e a loucura e no brilho dos olhos, a mesma luz intensa, que anuncia o nascer do dia.




Meu doce vendaval


  Quem és tu que espreita pela fresta dos meus receios sem fazer uma só pergunta? De brisa viras vento que me invade, percorre todo o corpo e me arrepia num delicioso frisar da pele que chama pelo teu toque. Gosto de te olhar com a calma de quem olha sempre a mesma paisagem e se deslumbra ao mudar repentino de cada estação. Ver-te chegar, vendaval de emoções que rebentam num tão próprio e verdadeiro impulso, como uma onda de palavras ao encontro do mais indestrutível dos rochedos. Ver-te partir, de amuo e beiço comprido que apetece beijar, deixando no rasto a sombra de uma saudade que espera aquele abraço, num regresso mais doce que nunca. Impossível não soltar, este sorriso que vem da libido…